domingo, 19 de outubro de 2014

leituras

“Então não sobra lugar nenhum para fugir, exceto o boxe dochuveiro

É justamente para lá que você vai. Entra até onde pode, mas um compartimento de chuveiro é um lugar pequeno e os azulejos da parede não permitem que vá mais longe. Você fica de costas contra a última parede de sua vida. Não tem mais espaço para viver. E então escuta mais dois tiros, é possível que sejam três, e desliza ao longo da parede e seus olhos nem aos menos demonstram medo. São apenas os olhos vazios de um morto.” (CHANDLER, p. 122, 2004)

O detetive Phillip Marlowe é contratado por Derace Kingsley para localizar sua esposa, Crystal, desaparecida há um mês. Na ocasião do desaparecimento, Crystal deixara um bilhete dizendo que estava fugindo para o México para se casar com seu amante. Kingsley, que já não se importava muito com seu casamento, não deu atenção, até esbarrar com Chris Lavery - o amante de sua esposa - na rua. Estranhando a presença do outro na cidade, Kingsley o questiona ao que Lavery responde não saber nada sobre tal bilhete e afirmar jamais ter fugido com Crystal. É então que Kingsley se preocupa, afinal, Lavery é o tipo que adora se gabar de suas conquistas, então porque diria não saber da amante se isso não fosse verdade? Receoso de que algo possa ter acontecido com a mulher, Kingsley contrata o detetive para que esse descubra se ela está bem. Marlowe dá início a sua investigação, partindo do último lugar em que Crystal esteve: sua casa nas montanhas. E é lá, em um lago próximo ao local, que ele encontra o corpo de uma mulher afogada. Mas essa mulher não é Crystal. É Muriel, a esposa de um homem que mora nas montanhas, que também desapareceu na mesma época que Crystal. Ao longo da investigação, Marlowe se depara ainda com um antigo caso de suicídio mal explicado, policiais corruptos e muitos casos extra-conjugais.

“A Dama do Lago” é mais um livro em que Raymond Chandler esbanja sua habilidade de criar tramas policiais intricadas – até, de certa forma, lentas - mas que não deixam o leitor desinteressado um minuto sequer porque alguma coisa sempre está acontecendo (se não uma descoberta importantíssima, um diálogo sensacional). Algo que eu adoro nas histórias do autor é que nunca se trata de apenas um crime e de um criminoso. São vários crimes (que podem ir desde chantagem a assassinato) e também vários criminosos. É uma série de acontecimentos entrelaçados e algumas coincidências perfeitamente plausíveis, afinal, em uma investigação, perguntas são feitas e as mais diversas pessoas surgem no caminho da verdade. O foco de Marlowe sofre desvios de vez em quando (pois ele não pode evitar descobrir mais do que o estritamente necessário sobre o caso em que está trabalhando) e, seguindo as pistas, ele se depara com outros casos que se entrelaçam e podem, ou não, ter a ver um com o outro. Em “A Dama do Lago” Raymond Chandler nos apresenta uma trama tão intricada e um Phillip Marlowe tão afiado que temos três assassinos.

Como em todos os romances do autor, a história é narrada por Marlowe – simplesmente um dos melhores detetives da literatura policial, algo que frisarei em todas as minhas resenhas -, mas não é apenas a perspectiva do detetive que está ali. Cada frase está contaminada com a personalidade do personagem que é aquele detetive hard-boiled (durão, casca-grossa), extremamente irônico, mas de moral inquestionável e sem dúvida cativante. Após ler tantos livros de Chandler, eu não consigo evitar rir de vez em quando das falas e observações do detetive ou mesmo de vivenciar aqueles momentos “Ah...típico do Marlowe” ou “Ah...Marlowe, só você mesmo”. Quando um autor consegue fazer um leitor conhecer um personagem a esse ponto, você sabe que ali está um grande autor e um grande personagem. E isso Raymond Chandler e Phillip Marlowe com certeza são. “A Dama do Lago” é mais uma prova disso.

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